quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A Vida Sem Rodinhas.

Lembro que nos momentos emportantes da infância, e também nos desimportantes, meu pai estava sempre a posto empunhando uma máquina fotográfica.A consequência? A cada gaveta que eu abro aqui em casa, saltam fotos diversas, sem contar as que estão confinadas em álbuns e porta-retratos. Dessas tantas, há uma pela qual tenho um carinha especial: é uma foto em que estou andando de bicicleta, aos 5 ou 6 anos de idade. Naquele dia eu andei sem rodinhas pela primeira vez. Dei várias voltas sem cair, até que meu pai clicou o flagrante: a pirralha com a maior cara de vencedor, dona do campinho, se achando. Eu realmente estava degustava aquela vitória.
Se a foto tivesse legenda, seria: "Viu?"
As rodinhas são uma base protetora para iniciantes, uma segurança para quem ainda não tem domínio da coisa. Que coisa ? Qualquer coisa. Me corrija se eu estiver errada: a gente usa rodinhas até hoje.
Quando se escreve um livro, por exemplo, as rodinhas são as cenas não inventadas, o sentimento de verdade, vivido, com o qual a gente ampara a ficção.
Quando se tem filho, as rodinhas são a herança da educação que nossos pais nos deram, a parte hereditária que, mesmo questionada, sustenta nossas primeiras decisões.
Quando nos apaixonamos, as rodinhas são a repetição de certos clichês, a partilha dos nossos ideias e certezas, mesmo sabendo que em breve entraremos em terreno movediço, desconhecido.
Quando se aceita um emprego, as rodinhas são a nossa experiência anterior, o que facilita a arrancada, mas depois é preciso andar sozinho.
Semppre chega a hora de tirar as rodinhas.Medo e êxtase.
Viver sem elas torna tudo mais perigoso, vulnerável e, ao mesmo tempo, emocionante.Nos faz voltar a ser crianças: será que eu estou agindo certo,será que estou indo rápido demais ou lento de mais ? Atenção: lento de mais, cai.
É preciso saber viver sem um suporte contínuo para que se possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe nunca consegue se equilibrar sozinho. Quem não solta a mão do pai não vira homem.
Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa conta? Se o assunto é bicicleta, aos 5,6,7, até os 10 anos, dependendo do ritmo e da estabilidade de cada um.
Quando se trata da vida, também depende. Mas usá-las para sempre nos impede de sentir o gostinho de conseguir, de vencer, de atingir nossos objetivos por mérito próprio.
Nos impede de provocar: " Viu?"
Nada nos dá tanto orgulho do que mostrar aos outros- e a nós mesmos- o quanto podemos.


- Martha Medeiros

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